Portugal Quotidiano

Descendo uma avenida nos arredores da Cidade de Gaia, em Canidelo, fiquei admirado ao ver o passeio coberto de grandes bolotas.
Sem ninguém ver, comecei a dar-lhes pontapés – como costumava fazer anos atrás apenas pelo prazer de as ver saltar e rebolar rua abaixo. O objectivo era chutar a mesma bolota o mais longe possível.
É difícil imaginar um jovem de pouco mais de vinte anos entregar-se a tais infantilidades, por isso tive cuidado para não ser visto.
Quase no final da avenida de carvalhos, vi um velho a caminhar muito devagar pelo outro passeio acima. Em seguida reparei que ele parava de poucos em poucos metros e batia com o pé direito no chão. Ele não me viu, e quando dele me aproximei, vi que estava a esmagar bolotas.
Usava barbas esbranquiçadas, como o cabelo e óculos, o que lhe dava um ar de fuinha.
Ao ver-me, hesitou, como envergonhado de ter sido apanhado a fazer aquilo; então eu dei um tal pontapé numa bolota que ela foi parar à rua principal.
- Gosto de lhes dar pontapés, disse-lhe.
Ele riu-se.
- Eu gosto de as esmagar. Gosto de ouvir o barulho e sei que não sofrerei a tentação de as apanhar para mais logo as comer. Ando a fazer dieta.