terça-feira, maio 01, 2007

 

O percurso

Quando Cristina saiu e bateu a porta, a tia – a “senhora” – levantou-se majestosamente e foi repousar os achaques no velho cadeirão junto à lareira apagada, um hábito que os curtos meses de Verão não lhe deixaram perder.
Lá fora o sol era avermelhado e ia longe. Cristina sorriu ao ver o céu cor de laranja e pensou num desenho do Ildefonso, o filho da “senhora” – que mais parecia um ovo estrelado com molho de tomate. Como tudo aquilo era já velho…
Os três, Cristina, Ildefonso e Augusto, eram inseparáveis. Sim, porque mesmo contra a vontade da “senhora”, o Augusto era o companheiro preferido do Ildefonso. O filho queria assim e ela limitava-se a filosofar amargamente: “servos e senhores, tudo reina…”.
Esta evocação fê-la pensar no Augusto que não via há anos. Era um rapazola forte, moreno, com grandes olhos curiosos, ávidos de tudo.
Agora ia tornar a vê-lo; um médico. Ainda na véspera, quando vira o nome dele escrito em letras reluzentes numa placa negra, à porta do consultório, a sua lembrança foi a do antigo garoto, companheiro da brincadeira. Agora imaginava-o grande, muito grande… Era mais nova e ia fazer vinte e cinco anos. Como o tempo passa, mesmo para quem se aborrece na companhia de uma megera como a tia. Ildefonso também estava a acabar o curso.
A última vez que viu o Augusto foi três anos antes quando ele veio de visita a Canidelo, mas pouco falaram. Acabara-se a antiga intimidade.
Cristina achava a mãe do augusto, a senhora Maria, uma senhora regenerada, e não má de todo, apesar de tudo o que dela sabia.
Agora, o Augusto iria com ela ver a sua tia. O bom Vítor Lameira, homem rico, senhor das suas terras, era o verdadeiro pai dele. Muitos o sabiam mas calavam-se. Tinha assumido as despesas da formação do Augusto.
Estaria ela enamorada do Augusto? Nunca tinham falado acerca dos seus sentimentos, mas estava segura que ambos sabiam ser a verdade.
E ali estava ela em frente à porta do consultório do médico, sentindo o coração a galope dentro do seu generoso e belo peito.

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