domingo, maio 27, 2007

 

Desabafo da "senhora"


Recuperada, a “senhora” agradeceu ao Augusto.
- Obrigada! Como sabes, o meu filho viveu nesta casa toda a vida até ir para Lisboa. Talvez seja minha a culpa de ter degenerado.
- Talvez…, mas sente-se.
- Não!, deixa-me estar de pé. Ele foi… e eu aqui continuei com meu marido, para quem o orgulho da casta tinha mais valor que o próprio Deus… Não me compete julgá-lo. Sou vítima da educação que levei, se acaso os meus gestos estão dentro da verdadeira justiça. Enamorei-me daquele a quem todos tratavam por Andarilho. Lembras-te dele? Dele fiquei grávida do Ildefonso. Casei-me à pressa com o Vítor Lameira. Pensou sempre que o Ildefonso era seu filho e nascera prematuro. O Andarilho, portanto, é o verdadeiro pai do Ildefonso. Mas é preciso que nunca o saiba. Jura-me que nunca lho dirás.
- Esteja descansada.
- Ele sempre gostou de mim. Depois era essa vontade do meu pai, que ainda conheceste e se chamava Aniceto. Mas é preciso que comece pelo princípio, para poderes compreender-me. Para me dar uma educação já de acordo com as exigências da época, meu pai consentiu em mandar vir um professor cá para casa. Não podia ser uma mulher, pois meu pai jurara, quando enviuvou, que jamais mulher alguma cruzaria os umbrais da sua porta, nem como criada. O professor que chegou, recomendado por um amigo, era um rapaz alto, moreno, plebeu dos quatro costados. Passado pouco tempo o amor nasceu entre nós. Recomendava-me a mim própria prudência. Meu pai não poderia jamais acreditar que a sua filha descesse tanto. Quando fiquei grávida do Ildefonso, o nosso amor, o nosso olhar dizia o que as nossas bocas não se atreviam. Éramos felizes assim com uns momentos roubados em que podíamos trocar uma palavra, depois dele se ter atrevido, enfim, a demonstrar-me o que sentia. Foi logo à primeira. Depois de o meu pai saber, defendi-me como pude; pedi, supliquei. Tudo em vão. Ele não me quis ouvir. Despediu-o e obrigou-me a casar com o Vítor Lameira. O resto já tu sabes.
- Compreendo. Mas há um depois…
- Agora deixa-me descansar. Amanhã te contarei o resto.

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