sexta-feira, maio 11, 2007

 

Confissão

Ambos subiram ao quarto do Ildefonso, que teve o cuidado de fechar bem a porta para que o seu relato não fosse ouvido nem interrompido.
Sentou-se na cama, enquanto o Augusto se sentou numa cadeira ao lado de uma mesa redonda onde há anos estudavam juntos.
- Sabes como é a vida aqui em Canidelo. Como também sabes domo é diferente da de Lisboa ou Coimbra. Tu estudaste em Coimbra e eu fui mandado para a capital, satisfazendo a vontade de minha mãe, que não queria que estivéssemos juntos. A nossa amizade, como bem sabes, nunca lhe agradou muito. Aqui em Canidelo chamam-lhe ainda hoje a “senhora”, por causa das suas manias de grandeza. Há até quem lhe chame a “senhora condessa, confradessa da borra”. Sabe-lo tão bem como eu…
- Claro que sei… não pares, prossegue o teu relato.
- Confissão!, faço questão de chamar assim ao meu depoimento perante o meu amigo de infância, meu “irmão”. Logo que me mudei para Lisboa, resolvi mudar de nome durante as minhas investidas… Os nomes sucediam-se e era agora um e logo outro, consoante quem encarava. Como também sabes, em tempos desempenhei funções de secretário da Junta de Freguesia. E lembrei-me de me fazer passar, adoptando diversos nomes de vários canidelenses. Ora um ora outro. Tive tantos pseudónimos que já nem me lembro de todos eles. À noite ia disfarçado de rapariga, com uma cabeleira, ora loira ora morena, por vezes ruiva. Fazia-me passar por uma ela. O dinheiro que minha mãe me mandava não chegava para todas as extravagâncias. Resolvi ganhá-lo prostituindo-me.
- Mas….
- Desculpa, mas agora falo eu. Fiz tudo e de todas as maneiras. Não te vou fazer um desenho, pois és homem e compreendes o que digo. Como já deves ter lido, aparecem clientes que querem o “serviço” feito ao natural. E foi assim que apanhei uma virose incurável. É verdade que tinha relações com mulheres e com homens. Eles pagavam bem e não podia desperdiçar esse dinheiro, que me permitia viver desafogadamente. Contaminei a Ana Catarina e depois a Mafalda. Os meus amigos que estão lá em baixo fazem parte do meu grupo. São apenas alguns deles. Eis, em resumo, a história da minha vida. És médico e sabes que não tenho cura.
- Bem… talvez…
- Não. Já mo disseram frontalmente. Os vírus que contrai são de uma estirpe sem reversão possível. Estou condenado. Mas levo alguns comigo…
- Que queres que faça?, se posso fazer alguma coisa por ti?
- Que cases com a Cristina e a faças feliz. Limitar-me-ei a esperar que a morte me leve deste inferno de vida em que vivo. Penso que saberás como explicar a minha mãe o sucedido. E agora, por favor, deixa-me só.
O Augusto obedeceu-lhe e saiu do quarto. Desceu as escadas e foi encontrar-se com a “senhora e com Cristina; os amigos do Ildefonso, compreendendo ser o melhor a fazer, tinham partido.

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?