domingo, abril 29, 2007

 

A "senhora" quer o médico



- Como se chama esse rapaz acabado de cursar em Coimbra?
- Oh, tia. Sabe bem que se chama Augusto Vieira, mais conhecido por Andarilho, porque quando pequeno não parava. E dizer que hoje é doutor…
- Doutor…doutor… é médico porque tirou o curso, ora o grande milagre. Isso não evita que tenha nascido filho do feitor do Ernestino.
-Está bem de ver, tia, que ninguém nasce médico nem pode escolher os pais que deseja.
- Desde quando podes pretender dar-me lições? Vai mas é lá chamá-lo, porque estas pernas negam-se a levar-me até lá. Eu, Dona “Senhora” de Canidelo não posso, não devo, nem sei descer.
- Subir, quer a tia dizer; porque daqui a casa dele é uma boa rampa. Vou então chamá-lo, mas deixe-se dessas histórias que não interessam.
- Quanto a interessar…
- Interessam, convenho – concordou a pequena – mas não recomendam nada os nossos maiores, pelo menos.
- Vai então chamá-lo. Vamos a ver se ele traz de Coimbra ciência que chegue para me curar, do que duvido muito. E olha que ficar na mesma e pagar ainda é pior. O velho Sobral já não sabe nada, mas também não se faz pagar. É um homem de classe. Foi ele que passou a certidão de óbito a meu pai, a meu marido e à tua pobre mãe.
- Encarregou-se das certidões de óbito da família e parece que a tia está pouco disposta a confiar-lhe a sua.
- A minha? Longe vá o agoiro, embora me sinta pronta para a grande viagem; mas quando eu desaparecer, logo verás. Não penso ser eterna, mas lamento esse que anda lá fora, longe do carinho da mãe, para ser professor, uma coisa sem préstimo, em vez de ficar aqui, olhando pelo que lhe pertence.
A sobrinha da “senhora” saiu em busca do filho do feitor do Ernestino, metendo umas lambujinhas ao bolso para o caminho.

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