terça-feira, abril 24, 2007

 

Oeillets Rouges



Não quero mais – declarou a solenemente a “senhora” – pousando a colher da sopa, num gesto fastiento.
“Todos” estremeceram à sua volta. Iam ficar sem local onde vomitar todo o seu ódio, facto que lhes era familiar, assim como o ruído da colher tilintando sobre a porcelana, acompanhado da indispensável informação sobre se a “senhora” desejava ou não comer mais sopa, ou se a colher poderia mais tarde servir-lhe para procurar os “guizos do morto”, com os quais pudesse, pela derradeira vez consolar-se com a visão de tais encantos, agora frios e secos.
A “senhora” gostava de fazer as suas “refeições” a sós, pois tinham para ela um poder enervante, já que sentia necessidade de se sentir nervosa, abrutalhada, para poder despejar o conteúdo das suas apodrecidas entranhas, ao mesmo tempo que lançava fortes arrotos, o que acontecia com lamentável frequência.
Assim, para assinalar o inimigo que pesava sobre a sua casa, já que a “senhora” era pouco comunicativa, resolvia dar parte, em voz alta, das evoluções sucessivas da sua saúde. Arrotava, vomitava e soltava, por baixo e por cima, toda a espécie de sons, por vezes acompanhados de uma espécie de corrimento fecal. Quase sempre. Um verdadeiro miasma.
Como quase sempre se queixava de dores no estômago, de fortes cólicas intestinais, de azia e outras…, já ninguém a ouvia. Em seu dizer e no de muitas mais pessoas, estava completamente decrépita. O que acontecia na realidade, só que mentalmente.
A seguir era o fígado que tinha dado de si, depois de uma picada no coração, como se um “aborto” daqueles tivesse coração, uma tontura na cabeça. Cada peça do seu precioso corpo fazia-se sentir e ela imediatamente relatava o acontecimento em voz alta. O silêncio a ouvia e continuava silêncio, pois tudo em casa, móveis e pessoal, escutava isto há bastante tempo, de sobremaneira depois daquela formidável data de há 33 anos, qua amanhã será comemorada aí em Portugal. Tenho pena de aí não estar para poder juntar-me à multidão na festa comemorativa. Suponho que em Canidelo alguns se vestirão de luto a rigor.

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