domingo, outubro 15, 2006

 

Aventura perigosa - VI

Para com ele próprio pensou: "Talvez esteja a envelhecer"... Normalmente deveria pensar em muitas outras coisas.
Na ruptura do seu contrato com o centro sobretudo. Parra reatar o fio teria sido necessário dar uma saltada a Lisboa. Só porque po tempo faltava... Agora tudo, naquela história ia depressa demais. Então...
Lançou uma olhadela ao compartimento do fundo. "O Cera" acabava de pousar um copo na mesa. A cadeia estereofónica difundia em surdina o Bolero de Ravel. O Constantino emborcou uma boa golada de bagaceira velha. Perto dele, o casal já não murmurava, mas discutia a meia voz.
"Não. É terrível - disse ele - ou talvez sim... É perturbador justamente porque é terrível. Ficarei todo o tempo perto de ti. Se te desagradar, que se lixe a informação; partiremos."
Quanto ao Constantino - da Rasa - sabia que ela iria só pelo tom de voz. Lançou-lhe uma olhadela. Era pequena, miúda, com um rosto redondo e pele rosada. O vestido azul e branco não dava nas vistas, já que era quase severo. Era apenas nos olhos negros que se podia descobrir alguma experiência naquela ligeira fixidez de desejo devorador. Constantino teria preferido que o homem renunciasse e propusesse à mulher que fossem imediatamente embora. Só para ver como ela reagiria. Mas o tipo era destituído de intuição. Recomeçou a explicar-lhe a experiência estraordinária que ela se arriscaria a perder.
Constantino desviou a atenção para o "doutor". Descobriu-o de pé, a caminho da entrada. O outro afastava-se em direcção ao corredor que conduzia às escadas que levavam à "Caverna".
Constantino virou a cabeça para o lado. Ali, de pé, estava a sua amiga Cecília, muito direita, o casaco cinzento aberto sobre uma camisola castanha e branca, enfeitada com uma rosa vermelha.
Apesar do lenço amarelo e preto, apesar dos cabelos negros, foi preciso que o "doutor" se pusesse e m movimento na sua direcção para que ela ficasse certa de que era bem ele. Porque não se parecia mesmo nada com a ideia que acabara por criar. Não se conheciam pessoalmente. Setia a primeira vez que se encontrariam. Ela esperava que fosse a última, tal era a reputação do "doutor".
Tinham-lhe dito ser de estatura média, cabelo que começava a rarear.banal se bem que muito inquietante, um fato cinzento de bom corte. Tinham-lhe também dito em forma de aviso:
"Os maiores crápulas têm sempre um físico honesto. Caso contrário nada conseguiriam", descrevendo o "doutor".
(Continua...)

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?